Encontrei o Jorge e alguns conhecidos no bar, na manhã de domingo. Porque eu trabalho no graveyard shift, meus horários são todos zoados: eu acordo no horário da janta e durmo durante o dia (ou, pelo menos, tento). Mas, de vez em quando, em alguns fins de semana, meu corpo pede para que eu durma por um período extenso que inclui a noite e foi isso que fiz nesse fim de semana.
Às 6h da manhã, vi que tinha recebido uma mensagem do Jorge às 4h da manhã dizendo que eles estavam em um bar perto de casa e iriam assistir ao jogo Holanda x Costa Rica (aliás, a Laranja Mecânica nunca pensou na vida que seria levada pela Costa Rica aos pênaltis nas quartas-de-final de uma Copa do Mundo! Só por isso, a Costa Rica merecia um troféu). Perguntei se eles ainda estavam lá e fui.
Claro que todos ainda estavam bebendo enquanto cheguei com o meu McBreakfast. Afinal, aqui no meu micro-bairro, a única coisa que fica aberta 24h por dia é o McDonalds e tinha uma fome monstruosa, resultado de mais de 12 horas sem comer. Enfim, cheguei ao bar, em uma mesa com dois brasileiros, o Jorge, uma amiga filipina e dois filipinos novos no grupo.
Eu sou bem grumpy quando acordo. A verdade é que posso ser grumpy grande parte do dia e é esse um dos motivos pelos quais preciso correr com frequência: a endorfina me deixa feliz e hyper. De qualquer forma, a primeira pergunta que ouço, de um brasileiro que não conhecia, é: “mas você é brasileira? E de onde vem essa cara filipenha?”
Uma coisa que me deixa mais brava indignada revoltada que filipinos me confundirem por filipina é um brasileiro fazer a mesma pergunta. Sério mesmo. Cara, não custa nada você conhecer um pouco da história do SEU país e entender que o ele tem a maior colônia de imigrantes japoneses e italianos do mundo, entre outros. E desde a época que vivia na Irlanda, esse tipo de comentário, racista e preconceituoso, sempre me tirou bastante do sério.
“Você não conhece a história do seu próprio país?” perguntei de forma seca. Às vezes me pergunto como posso ser tão antissocial ou ter o temperamento tão forte, mas é inevitável: perguntas imbecis, respostas cretinas.
Ele sorriu. A verdade é que ele resolveu me dar outra chance, apesar da minha grosseria inicial. Eu diria que não foi bem “grosseria”, mas uma reação defensiva a algo que sempre me molestou: o preconceito de que no Brasil não existem asiáticos.
Desde que decidi morar no exterior, ouço perguntas do tipo “como você pode ser brasileira com essa cara?”. Perdão, mas não sabia que o povo brasileiro tinha “uma cara”. Achei que por sermos um povo mestiço e resultado de imigrações, o nosso default fosse ser uma mistura de tudo.
Acho isso até engraçadinho quando vem de um estrangeiro. Entendo que eles não tenham a obrigação de saber a história do Brasil, então, embora esteja cansada de ouvir a mesma pergunta, repetidas vezes, pacientemente respondo. Algumas vezes peço para algum amigo explicar à pessoa o motivo pelo qual qualquer um pode ser brasileiro. Alguns estrangeiros me olham admirados e perguntam “então, eu também posso ser brasileiro?” ao que sempre respondo “se você não abrir a boca e não se comportar como um estrangeiro em terras brasilis, sim, você poderia ser brasileiro”.
Quando um brasileiro faz a pergunta, dependendo da entonação, a sobrancelha levanta. Quem me conhece sabe que isso é indício de que o tempo fechou e a resposta será grosseira.
Não me importo quando dizem “você, brasileira? Nunca iria imaginar!”. Não tenho a pretensão de que as pessoas descubram minha nacionalidade à primeira vista porque não é fácil. O que eu não gosto é de ser questionada sobre ela. Sou brasileira, nascida e criada no coração de São Paulo, a cidade com o maior número de japoneses fora do Japão. Adoro arroz com feijão, ouço Ana Carolina e Seu Jorge e me emociono quando ouço o hino nacional.
Adoro um termo que escutei por aqui: Brapanese, que é a mistura de Brazilian e Japanese. Os filipinos têm essa mania de juntar duas palavras e transformá-las em uma e achei o Brapanese fofo. Eu sou Brapanese! Com muito orgulho de minhas raízes e cultura!
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Tranquila, Tati! Também escuto esta pérola: mas como você é brasileira se você é branca ?
Hahaha! Ah, Juliana… Eu acho até normal quando um estrangeiro me pergunta isso… Mas brasileiro? Sério mesmo??? Haha! Beijos!