Há muitos meses não escrevo para o Trotamundos. Sempre digo que vou encontrar tempo e vou recomeçar a escrever, mas desisti de fazer promessas vazias. A verdade é que preciso ter disciplina e disso tenho pouco. Sei que quando começo a escrever o faço bem – já teria desistido se não o fizesse – e gosto muito, mas também me conheço o suficiente para saber que sou preguiçosa. Engraçado, não? Quando me proponho a fazer algo, muitas vezes parece que as coisas fluem e tudo sai com o mínimo de esforço. Mas acho que isso acontece porque tento colocar muito coração nas coisas que faço.
Há pouco mais de quatro meses, deixei a Ilha de Lost e voltei para a minha tão amada Europa. Ah, Europa… O Velho Continente que tanto me fascina, com suas histórias, paisagens e multiculturalidade. Mas, ainda que sempre tivesse como objetivo voltar, toda mudança gera certo stress e sempre há tempo de adaptação. É normal. E, ao transferir a minha rotina de Manila a Madrid, comecei a viver a cidade, a (re)encontrar meus amigos, a viver. E, por isso, acabei por deixar a escrita um pouco de lado. Acontece.
Se tivesse que definir 2015, acho que o definiria como o ano que entrei em contato com minhas raízes e mudei minha vida outra vez. Talvez tivesse sido necessário entrar em contato com o meu passado para que eu pudesse seguir em frente e voltar a desbravar meus horizontes. Quando era mais nova, não me importava tanto com a minha história, mas, à medida que passa o tempo, fui sentindo a necessidade de conhecer um pouco mais sobre as minhas raízes.
A viagem para o Japão por uma dessas viagens especiais por inúmeros motivos. Praticamente todos os dias, via ou vivia algo que tirava meu fôlego e pensava “meu Deus, tenho que escrever sobre isso!”. Um dos maiores arrependimentos foi não ter levado meu laptop e feito uma atualização quase diária do que aconteceu, mas acho que tampouco teria tido tempo para escrever: acordava todos os dias às 7h da manha e voltava ao lugar onde estava minha cama – fosse um hotel-cápsula, um albergue ou um guesthouse – e desmaiava na cama de cansaço. A viagem foi intensa e incrível, em iguais proporções. E, por isso, Japão 2015 possa ser considerada uma das melhores viagens que fiz na minha vida.
Para mim, era importante conhecer o Japão. Os meus quatro avós são japoneses – de sangue, sou japonesa 100%. Os quatro imigraram para o Brasil ainda bastante jovens, no começo do século XX: por meio de um acordo entre os dois países, a imigração japonesa para o Brasil começou em 1908 quando o navio Kasato Maru aportou em São Paulo. Naquela época, o Japão estava superpovoado e o Brasil necessitava de mão-de-obra na zona rural para as plantações de café, motor da economia brasileira até 1920. Hoje, o Brasil tem a maior população de japoneses fora do Japão.
Foi muito gostoso estar em Tóquio com meus tios e escutar minha tia contar a história da minha família. Meus avós, meu ditchan e minha batchan (avô e avó em japonês, respectivamente) vinham da província de Nagasaki, onde estava o único porto aberto para o comércio com o exterior durante o governo de Tokugawa, no período Edo.
Essa abertura comercial transformou a cidade de Nagasaki em uma das únicas no Japão que apresenta influências estrangeiras bem marcantes. Na parte arquitetônica, alguns dos destaques são a Igreja Oura, a mais antiga igreja católica em solo japonês, o Glover Garden, um conjunto de casas residenciais europeias finalizado em 1863 e o Koshibyo Confucius Shrine, o único templo de Confucius fora da China.
Na culinária, essa influência também não passou despercebida. Um dos pratos típicos da região é o champon, uma versão do ramen japonês com um toque chinês; de fato, quando perguntei onde poderia tomar um bom champon, me indicaram o Chinatown da cidade. Há também o bolo castella, que foi levado à região pelos portugueses e algo conhecido como Turkish Rice, que seria o arroz turco, mas não tenho a mínima ideia de como é porque não tive tempo de prová-lo.
Na época que meus avós imigraram, o Japão era um país em crise e o número de filhos por casais estava restrito e o Brasil era um país promissor no qual eles poderiam criar a grande família que eles tinham planejada (e que família enorme se tornou!). Com o dinheiro que meu bisavô deu, eles embarcaram no dia que meu avô completava 24 anos no navio Manila-Maru com destino àquela que seria seu novo lar. Sim, percebi o quao fatídico é o nome do navio que meus avós embarcaram: pouco mais de 80 anos depois, o nome do navio seria a cidade onde a neta deles moraria por cinco anos de sua vida.
Eles chegaram ao Brasil em 16 de agosto de 1928, doze dias antes do aniversario de 20 anos da minha avó, e lá eles começaram a vida no novo continente. Em uma época sem Skype, sem WhatsApp e nem o Google para responder as perguntas, não consigo imaginar os perrengues pelos quais eles passaram. Quando era pequena, li um livro que contava a história de uma família japonesa que imigrou para o Brasil e sempre imaginei se os meus avós tinham passado o mesmo. A adaptação com o clima do interior de São Paulo, sempre tão quente e úmido em contraste com o frio que faz durante o inverno japonês; a comida e temperos, completamente diferentes daqueles que estavam acostumados; a recepção em um país estranho; a aprendizagem de um idioma completamente diferente, afinal, o alfabeto japonês é completamente distinto do alfabeto românico que usamos no ocidente. Quando dizem que eu fui corajosa em sair do país, sempre digo que corajosos foram eles que deixaram o Japão e tiveram que se adaptar de qualquer forma a uma cultura que não era a deles porque o “se”, naquela época, não existia; eu sempre tive a opção de mudar a data da minha passagem.
No interior de São Paulo, eles tiveram uma fazenda onde plantavam laranjas, melancia e amendoim para vender e foi onde eles ficaram por mais de 20 anos, o lugar onde tiveram os seus 11 filhos – sim, eu tenho 10 tios e tias; não, acho que não havia televisão naquela época. Em 1950, eles se mudaram para Pompéia, uma pequena cidade no interior de São Paulo, onde compraram um bar e sorveteria: minha tia diz que lá se vendia o melhor sorvete de milho verde e que quando o faziam, a produção inteira acabava em meia hora.
Tive muito pouco tempo com eles: eles faleceram no final da década de 80, início da década de 90 e, quando já tinha idade suficiente para lembrar algo, eles já estavam bastante velhinhos e doentes e a nossa comunicação era bastante limitada porque eles já não falavam o português – e eu não entendia o japonês. Ainda assim, lembro-me da oficina na garagem da casa do Planalto, em São Paulo, onde eles moraram até o final de seus dias. Lembro que chegava a casa deles, comia uma bolacha típica japonesa, misturava Coca-Cola com açúcar para que fizesse mais espuma (ficava um xarope nojento, mas adorava), me enfiava dentro da dispensa para achar mais guloseimas e ia até a garagem brincar com as serras que meu avô guardava. Sempre me perguntei o que continha naquelas pilhas infinitas de caixa, mas nunca tive a coragem de vasculhar.
Não me arrependo; naquela época era tudo que eu sabia. Hoje, tento juntas as pecas soltas do que me contam sobre as minhas raízes e, pouco a pouco, começo a formar uma ideia das minhas origens…
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Based on a work at https://tatisatotrotamundos.com/
Que delícia de narrativa… quero mais! =]
Beijo grande.
Marote, sua linda! =) A história da minha família é muito legal, mas seguro que a sua também! =)
Olá, Tati seria muito abuso perguntar com o que você trabalha ? Curiosidade pois trabalho com TI e tenho esse desejo de viajar pelo mundo, conhecer lugares, me instalar e em dado momento ir embora, e para a grande maioria das profissões isso não é uma realidade.
Oi Eneias, feliz 2016! Bom, a verdade é que não tem muito a ver o que faço ou não. Algumas vezes acho que algumas coisas estão fadadas a acontecer.
Eu sou contábil, mas conheço muitos contábeis que não trabalham na área no exterior. Há muito campo para quem é experto em TI, mas arrumar emprego depende de inúmeros fatores assim que se você tem o sonho de morar no exterior, você tem que tentar e ver o que acontece.
Feliz Ano Novo!!
Ass.Danielle Costa
Dani, feliz 2016 para você e para os seus! Muita paz e sucesso! =)
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