“Oi Tati, decidimos que vamos comprar a janta para todo mundo na quarta-feira e você vai pagar metade, OK?”
Foi assim que fui recebida ontem ao chegar ao escritório por uma das minhas colegas. Não minha chefa, não minha gerente, mas uma colega. Eu disse não. É claro que não. Existe algum motivo para essa tal janta a qual eu tenho que pagar metade? Disseram-me que era para comemorar os aniversários dos meses de março, abril e maio. OK, pago o mesmo que todos forem pagar.
Hoje:
“Tati, é o seguinte: a janta de amanhã vai sair PHP 2,600.00 (algo em torno de R$ 100,00) e você vai pagar a metade” a mesma colega me falou hoje. Olhei para ela com uma sobrancelha arqueada e ela começou a rir. Quem me conhece, sabe que a minha sobrancelha arqueada significa uma única coisa: sangue nos olhos. Meu lado taurino surge e eu só consigo ver vermelho.
“Não”, respondi secamente. A minha colega (vamos chamá-la de Peba) começou a rir. Os filipinos tendem a rir quando estão nervosos, o que deixa um ocidental irritado ainda mais irritado. E eu sou ocidental, embora tenha os traços asiáticos.
“Bom, você é rica, não? Você ganha muito mais que nós”, a Peba continuou, na sua forma petulante de ser “Então você vai pagar metade”
Deus, por favor, dê-me paciência porque se o Senhor me der forças, vou precisar de uma nova identidade, dinheiro e de uma passagem para um país onde não exista extradição…
Baixei o tom de voz, semicerrei meus olhos e respondi, bem séria “recebo o quanto mereço, Peba. Além disso, estou a 24.000,00 km da minha família. O dia que você estiver longe assim, conversamos”. Ela continuou rindo, como uma palhaça. O que eu queria mesmo responder era: ‘sim, ganho muito mais que você porque se tivessem me oferecido a mesma merda que você recebe, jamais teria aceitado esse emprego porque sei que mereço mais’.
“Bom, é que a outra menina (vamos chamá-la de Peca) tem medo de falar com você”
Chamei a Peca e conversamos. O que aconteceria era que eles tinham decidido que os aniversariantes dos meses de março, abril e maio pagariam a janta para 25 pessoas e ela me perguntou se eu queria participar, que ela, a Peca, pagaria PHP 1,000.00. OK, agora eu havia entendido o que aconteceria.
Sei que ganho muito mais que muitos da minha equipe, por diversos motivos. E, por isso, quando alguém decidia pagar janta para todos, eu contribuía com uma parte maior porque, para mim, essa diferença não me faria falta e sei que faria falta para muitos deles. Eu olhei para a Peca e disse:
“Olha, eu não gosto que as pessoas imponham o que eu tenho que fazer e o quanto tenho que contribuir sem me explicarem o motivo. Pago metade da janta, mas isso fica entre nós duas; contribua com a diferença. Dou o dinheiro para você, mas não quero que você comente nada para a Peba”
Bom, apelidei a Peba disso porque ela é uma peba, palavra definida pelo dicionário informal como sendo “de baixa qualidade, ruim, produto barato”. Odeio pessoas pebas, pessoas que defino como sendo pobres de mente.
Acho que isso trás dois assuntos: o fato de que a minha (falta de) paciência está sendo testada e o problema dos estrangeiros receberem mais que os nativos.
Nas Filipinas, existe uma crença generalizada de que estrangeiros têm dinheiro. Nem sempre isso é verdade. O que acontece é que muitos estrangeiros que são contratados no exterior têm melhores salários que os locais porque muitas empresas estão transferindo seus negócios, especialmente os de call centers e os seus departamentos de finanças para cá, através de Financial Shared Services (o departamento financeiro da própria companhia) ou de BPOs (Business Project Outsoursing que é a terceirização). Como muitas empresas têm negócios na Europa e América Latina, é necessário contratar pessoas especializadas nesses departamentos e que falem o idioma do local atendido e não são muitos os filipinos que têm especialização e falem um terceiro idioma.
De certa forma isso é bastante injusto e demonstra a falta de igualdade econômica desse país e de muitos outros, inclusive do próprio Brasil. Mas eu não criei as regras do jogo e não vou ser o saco de pancadas para que pessoas como a Peba possam extravasar suas frustrações: a verdade é que se você não gosta das regras do jogo, saia e não desconte suas frustrações nos outros jogadores. Simples assim.
Independente da classe social ou da posição econômica, tento tratar as pessoas da mesma forma. Sim, tenho uma personalidade forte a qual muitos filipinos não estão acostumados. No entanto, embora não possa fazer nada a respeito, tento sempre sorrir e falar no tom de voz mais calmo e baixo que puder embora isso nem sempre seja possível porque não vim com um botão de volume embutido (ou ainda não descobri onde ele fica). Mas, se me tratarem com desrespeito (ou de uma forma que considero desrespeitosa), o sangue vai subir aos olhos. É inevitável; é o meu lado de touro.
E acho que isso tem muito a ver com a minha paciência… Honestamente, acabo de escrever um texto enorme que é iniciado por “como eu ando sem paciência”. Estava a ponto de escrever sobre a minha viagem a Hong Kong, um país que amo e voltei a visitar com uma amiga queridíssima, quando esse evento acontece. Nesses momentos, olho para cima, reviro os olhos e penso “não… Outra vez não…”
Sei que as lições da vida estão vindo com grande velocidade para mim, por um motivo ou outro. Talvez seja o fato de estar morando no exterior, fora da minha zona de conforto. E, se vamos calcular por distância, eu não sei se poderia estar mais longe da minha terra-Natal e da minha família, já que existe uma diferença de 11 horas entre aqui e lá. Bom, talvez se eles estivessem no México ou na costa leste americana ou canadense, essa diferença fosse ainda maior…
Preciso respirar. Preciso começar a fazer yoga. Preciso que a minha academia fique aberta 24 horas por dia para que possa correr na esteira antes que eu arranque a cabeça de alguém. No entanto, como isso não é possível, preciso aprender a respirar porque amanhã será outro dia…
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