Outro dia, estava sentada no bar com um amigo meu, perto da casa dos meus pais em São Paulo, e conversávamos sobre confiança: uma vez quebrada, é impossível restituí-la ao que era antes, como se fosse um vaso que se quebrasse em muitos pedaços.
Sempre acreditei nisso e, por isso, eu sempre tento ser o mais sincera possível. Também sei que nem sempre é possível ser sincera 100% do tempo porque, muitas vezes, ou as pessoas não estão preparadas para ouvir o que temos a dizer ou não estamos preparados para enfrentar as consequências e as reações de outras pessoas quando dizemos o que queremos. Por quaisquer motivos que sejam, não somos tão sinceros e honestos como gostaríamos ou deveríamos ser.
Então, muitas vezes dizemos coisas que não sentimos. Como quando aquela conhecida vaidosa e de baixa autoestima pergunta se o seu novo corte de cabelo ficou bom e você diz que sim embora ela pareça um poodle recém-saído do pet shop. Ou mesmo quando um amigo querido diz, chorando, que sua namorada o abandonou: embora você conheça a história e saiba que o relacionamento estava desgastado e acabaria, cedo ou tarde, você o abraça e o conforta. Um dia, quem sabe, você terá a oportunidade de dizer a ele o que pensava da situação porque, naquela hora, você simplesmente sabe que ele não vai querer ou poder escutar.
Entendo que algumas mentirinhas façam parte do nosso dia-a-dia porque torna a convivência mais fácil e evita conflitos desnecessários no nosso cotidiano.
Mas qual é a linha que delimita uma mentira aceitável e a quebra de confiança em uma relação? Quero dizer, entre todas as mentirinhas (em inglês, as chamamos de white lies, ou “mentiras brancas”) que contamos e coisas que escondemos, o que é aceitável e o que é um “deal breaker”?
Me pergunto isso porque me pediram para levar na minha mala uma peça de roupa que seria enviada pelo correio para mim. Quando o pacote chegou à casa dos meus pais, veio a peça de roupa, embrulhada em papel de presente e milhares de fitas adesivas, e um par de sapatos. Como eu viajo muito, decidi abrir o pacote porque, quando se viaja, levar um pacote fechado para outra pessoa é uma idiotice: o portador da mala sempre tem que verificar e se assegurar daquilo que está levando porque, de acordo com a lei, a ignorância não é uma benção.
Qual não foi a minha surpresa quando encontrei, enrolada na roupa, dentro do pacote, vários comprimidos para emagrecer? Aquilo me deixou absurdamente irritada: a falta de sinceridade no pedido demonstrou, em minha opinião, uma completa falta de respeito por mim e pelo que a minha amizade poderia representar. Embora a pessoa me diga que ela não faria nada para me prejudicar, como posso confiar na sua palavra quando suas ações dizem algo completamente diferente?
A verdade é que eu não tenho problema algum em transportar remédios: já o fiz diversas vezes para amigos meus que me pediram isso e o faria outra vez. O que me deixou muito brava foi o fato de ter sentido que me fizeram de idiota, que tentaram me usar como uma “mula”. O que me deixou incomodada foi a falta de sinceridade.
Não me importo de fazer favores para amigos, mas eu preciso saber a situação que estou entrando. Acho muito válido que um amigo me peça qualquer coisa e dependerá de mim se eu vou ou não fazê-lo: um amigo pode até pedir que eu leve duzentos papelotes de cocaína no meu estômago (e dependerá de mim se aceito ou não), mas acho que a sinceridade é a coisa mais importante para a estrutura de qualquer relacionamento. É como confiar em alguém que me peça para caminhar sobre a camada de gelo que se formou em cima de um lago: se não confio na pessoa, não caminharei com medo de que o gelo se quebre e eu morra de hipotermia.
Acho que no fim tudo se resume à confiança, essa palavra tão curta, esse sentimento tão delicado. Talvez seja muito fácil se dar a confiança, mas, também é muito fácil que ela se quebre… Talvez essa tenha sido mais uma lição para eu aprender a ser, também, mais sincera e não esconder aquilo que sinto embaixo de algumas camadas disfarçadas de “educação”.
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